domingo, 30 de setembro de 2007

Vincent

Uma vez eu conheci um homem que dizia ser imortal. Talvez ele realmente fosse, sabe? A quantia de coisas que ele podia te contar, coisas que na maioria das vezes te fariam chorar e em poucas outras te fariam rir, era infinita. Eu tive a sorte de virar amigo dele, até ele sumir de novo.

Se eu me lembro bem, tudo começou quando ele fez 21. Num acidente de carro ele conseguiu perder mãe, pai e irmão. Não dava pra explicar a situação, mas ele simplesmente não morreu junto, ficou lá no chão, sangrando, chorando. 1 mês depois ele estava fora do hospital, mas não estava bem. Começou a viver do mesmo jeito de antes, não feliz, nem bem, apenas vivendo. Começou a desconfiar da condição aos 33 anos, quando viu que ainda tinha cara de 21.

Com 33 ele já estava casado e tinha uma filha, Aya. Linda menina, se me permite. Olhos verdes, cabelos loiros, magra. Viveu bem até os 17, quando faleceu por algum motivo que eu não consigo me lembrar. Nessa época ele devia ter 43 anos, mas tinha a mesma cara desde os 21. Eu ainda não conhecia ele. Na verdade, só fui conhecer quando ele tinha uns 90 anos, mas isso é uma história pra depois.

Ele amava a filha, amava a mulher e amava seu casal de gatos. Tudo que ele não queria era perder isso, só isso. Mas não deu. No ano em que ele fez 51 o casal dos gatos se foi, primeiro a fêmea, em janeiro, depois o macho, em setembro. A casa ficou vazia e eles choraram mais uma vez por causa da Aya. Aos 78 foi a vez da mulher dele. Nunca ouvi o nome e nem mesmo ousei perguntar, escutei essa história uma vez só e não vou escutar de novo. No ano em que a esposa faleceu, ele continuava com 21 por fora, mas por dentro ele não sabia. Parecia um adolescente, caos e confusão na cabeça, mas também era adulto, conseguia cuidar de si mesmo e sabia muito bem o que queria: Morrer.

Dos 80 até os 87 foram todos seus amigos embora, os 3 melhores permaneceram até os 87, depois não agüentaram. Os outros foram indo de pouco em pouco e ele achou que suportaria. E realmente suportou, até os 87. Depois disso ficou sem ninguém. Não precisava trabalhar, não saia mais de casa. Estava cansado, esperando o seu tempo que não chegava.

Aos 93 ele achou melhor mudar, ficar parado em casa não dava mais. Resolveu mentir a idade, começar a sair de novo, viajar. Assim ele conheceu um novo grupo de amigos, eu entre eles. Conheceu a 2ª esposa ali também, mas ninguém sabia da “doença” dele, na verdade a gente achava que ele era o mais novo da turma.

Juntos a gente foi vivendo e se conhecendo. Acho que ele conseguiu ganhar forças conosco, não sei. Eu o conheci quando fiz 24 anos. Foi em um boteco em uma rua qualquer, comemorando o meu aniversário. Ele já namorava a Luiza há uns três meses nessa ocasião. Não consigo explicar como nem o porquê, mas nós viramos amigos, melhores amigos. E assim foi até o ano passado, quando eu fiz 73.

Quando Luiza fez 27, nasceu o Victor. Moreno, olhos castanhos e pele clara. Aos 15 ele faleceu, com a namorada, indo para a praia com os amigos. Nunca vi alguém chorar tanto quanto meu amigo naquele dia. Não teve mais filhos.

Quando Luiza fez 43 anos, ela se foi também. Morreu dormindo e ele jurou que nunca mais ia amar se tivesse que pagar um preço tão alto toda vez. E foi isso mesmo, nunca mais amou ninguém. Nem um beijo, não queria arriscar. Acho que nessa época ele tinha 130 anos, não consigo me lembrar. 2 vidas, foi o que ele tinha vivido já. E foi aí que ele me contou, até mesmo porque todo mundo via que tinha algo estranho.

Os outros acharam estranho, alguns ficaram com medo. Eu não. Ele continuava a mesma pessoa, tendo 130 anos ou 21, tanto fazia. Acho que, no final, só sobrei eu de companheiro e ele dizia que nunca mais ia amar ninguém depois que eu me fosse. Jogou o coração fora. E fez certo, se você quer saber.

Ano passado ele disse que ia viajar, conhecer lugares que ainda não tinha visto, mas que me mandaria cartas. Até hoje não recebi nenhuma, e também não espero receber. Acho que ele ficou livre agora e finalmente consegue viver sem ficar criando problemas e se preocupando demais. Era isso que eu devia ter feito, desde o começo, mas agora é tarde e eu canso muito fácil.

Provavelmente nunca mais vou ver ele e ele vai me ver só no meu velório, eu acho. É assim que vai ser, mas não é o jeito que tinha que ser. Ele não pediu pra viver pra sempre, mas teve que aceitar. E com isso vieram mais um monte de outras condições que ele não queria, mas teve que aceitar também. Eu não queria viver assim.

Um comentário:

Hórus disse...

C'est tré bién!!
Oh! Gran-gênio da Literatura moderna!
MAAAALAAAA!
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Mas na boa, o texto ficou mto massa.... bem articulado e uma idéia original... legal mesmo!

falowww zehh..